
Química Verde: como os e-fuels vão mudar a energia que nos move
Os combustíveis sintéticos, conhecidos como e-fuels, têm ganho destaque como uma alternativa sustentável aos que hoje são obtidos a partir de origem fóssil. Mas afinal, o que são e que desafios enfrentam?
Produzidos a partir de eletricidade renovável, água e dióxido de carbono capturado da atmosfera ou de fontes industriais, os e-fuels estão a perfilar-se como alternativa sustentável ao atual paradigma fóssil. A neutralidade carbónica representa a sua vantagem mais conhecida, associada a outra não menos importante: estes combustíveis líquidos podem ser utilizados nas infraestruturas já existentes, incluindo os motores de combustão interna, permitindo uma transição energética tecnologicamente mais suave em setores onde a eletrificação apresenta grandes desafios, tais como o transporte aéreo e marítimo.

O processo de produção
Os e-fuels resultam da combinação de hidrogénio e dióxido de carbono, num processo de produção que passa por três passos essenciais.
A eletrólise da água (separação do oxigénio e do hidrogénio) é uma dessas etapas, fundamental para gerar o “hidrogénio verde” – assim chamado quando a eletrólise usa eletricidade gerada a partir de fontes renováveis.
Noutro passo do processo, o dióxido de carbono é capturado da atmosfera ou de fontes industriais. Entre estas últimas, destaca-se o carbono que resulta da produção de energia a partir da biomassa (os sobrantes florestais), que é denominado “carbono biogénico”, já que não resulta de origem fóssil direta, mas sim do carbono sequestrado pelas árvores.
Por fim, o hidrogénio e o CO2 são combinados em processos químicos, dando origem aos combustíveis sintéticos. Depois de sintetizados, os e-fuels podem ser refinados e distribuídos através das cadeias logísticas já existentes, o que facilita a sua integração no mercado.
Os benefícios dos e-fuels são evidentes, desde logo pela sua neutralidade de carbono, permitindo reduzir a pegada ambiental de setores que dependem fortemente dos combustíveis fósseis.
Além disso, a compatibilidade com a infraestrutura já instalada torna a sua adoção mais simples e menos dispendiosa. Outra vantagem importante reside na capacidade de armazenamento e transporte, permitindo que os e-fuels sejam utilizados quando e onde forem necessários.

Os primeiros passos
Os primeiros registos de produção de gasolina sintética à escala industrial remontam ao período da 2ª Guerra Mundial, quando a Alemanha o fazia para abastecer aviões em, pelo menos, sete fábricas.
Este era, porém, um uso mais ditado pela dificuldade de acesso aos recursos do que por qualquer consciência ambiental. E, desde então, com o período de prosperidade que se seguiu ao grande conflito mundial, os combustíveis fósseis foram o paradigma no abastecimento dos transportes e outras indústrias.
Perante os grandes objetivos globais de descarbonização, os combustíveis sintéticos voltaram mais recentemente a ser alvo de I&D avançada.
No final de 2022, foi realizado um dos investimentos mais significativos – na ordem dos €100M – numa unidade de produção de eMetanol e eGasolina na Patagónia chilena. Considerada como uma aposta pioneira – prevendo-se que atinja 550 milhões de litros em 2026 –, a fábrica de Haru Oni despertou o interesse um pouco por todo o mundo, mas especialmente na Europa. EUA (Texas), Austrália (Bell Bay) e Arábia Saudita (Neom) são outras zonas do globo onde a investigação e o estudo da viabilidade dos e-fuels começa a ganhar força.

Combustível político
No entanto, os e-fuels não estão isentos de desafios. O custo elevado de produção continua a ser um dos principais obstáculos, em especial quando a industrialização ainda não se iniciou em escalas que permitam tornar todo o processo mais eficiente.
A produção de e-fuels exige igualmente grande disponibilidade de fontes renováveis para a geração de eletricidade. Para que se tornem uma realidade acessível e amplamente adotada, é essencial continuar a investir em pesquisa e desenvolvimento, reduzir custos e garantir a produção sustentável de eletricidade renovável.
A eFuels Alliance - organização que promove a produção industrial de combustíveis líquidos sintéticos a partir de fontes de energia renováveis e que junta empresas de elevado perfil, desde fabricantes de automóveis a companhias aéreas e energéticas - refere, porém, que o conhecimento científico e técnico para a disseminação dos e-fuels no mercado já é uma realidade.
De acordo com esta organização, falta o enquadramento político necessário à produção à escala industrial, como por exemplo a definição da tributação ou de quotas ambiciosas para o sector dos combustíveis.
Se as condições de mercado e as regras de produção forem adequadas, os e-fuels poderão começar a ser produzidos em grande escala em 2030, inicialmente para serem adicionados aos combustíveis convencionais, mas com crescimento constante de forma a permitir a substituição completa dos combustíveis fósseis em 2050, refere a eFuels Alliance.
“Devido à falta de enquadramento político, as unidades de produção ainda não existem à escala industrial. Contudo, as tecnologias e os seus componentes já são suficientemente conhecidos e estão amplamente pesquisados. As primeiras unidades, com capacidade para mais de 500 milhões de litros/ano foram anunciadas para 2026. E, até ao momento, já foram anunciados 214 GW de capacidade instalada de hidrogénio em todo o mundo”, sublinha a organização.

A urgência de escalas
Quanto aos custos, a eFuels Alliance estima que, com quantidades crescentes de e-fuels a serem adicionadas gradualmente aos combustíveis convencionais, e com a queda dos custos de produção decorrentes das economias de escala, estes combustíveis tornar-se-ão acessíveis aos consumidores, bem como para sectores onde a descarbonização é mais complexa, como a aviação e o transporte marítimo. De acordo com o Instituto para a Economia Alemã, uma mistura de 5% de e-fuels aumentaria o preço global do combustível nos postos de gasolina em 7 ct/l.
A Agência Internacional de Energia (AIE), no estudo The Role of E-fuels in Decarbonising Transport, parece ir no mesmo sentido. De acordo com esta organização, os e-fuels são atualmente dispendiosos, mas a diferença de custo em relação aos combustíveis fósseis poderá diminuir significativamente até 2030.
Com a expansão de projetos de eletrolisadores e a otimização de recursos de energia renovável, o custo do e-querosene poderá baixar para 50 USD/GJ (2.150 USD/t), tornando-o competitivo com combustíveis de aviação sustentáveis à base de biomassa. O e-metanol poderá atingir 35 USD/GJ (700 USD/t) e a e-amónia 30 USD/GJ (550 USD/t), tornando-os comparáveis aos preços mais elevados dos equivalentes fósseis entre 2010 e 2020 e permitindo a sua adoção no transporte marítimo.
Mesmo em 2030, prossegue a AIE, os e-fuels de baixa emissão terão impacto limitado nos custos de transporte. A utilização de 10% de e-querosene aumentaria o preço dos bilhetes de avião em apenas 5%. Já o e-metanol e a e-amónia são mais económicos de produzir, mas exigem grandes investimentos em infraestruturas e navios. O custo total de propriedade de um porta-contentores movido a 100% por estes combustíveis seria 75% superior ao de um navio convencional, mas – mesmo assim - representaria menos de 1% do valor das mercadorias transportadas.

A base dos eFuels reside nos chamados processos power-to-liquid (PtL), que são utilizados para produzir combustíveis líquidos a partir de eletricidade renovável. O hidrogénio é produzido a partir de água (que pode ser proveniente do mar e dessalinizada) por eletrolise, utilizando eletricidade de origem renovável. Após este passo, é sintetizado com dióxido de carbono através do processo Fischer-Tropsch, resultando num combustível líquido. Este combustível pode ser utilizado como aditivo na gasolina, gasóleo ou óleo de aquecimento, ou ainda como um combustível totalmente neutro em carbono, capaz de substituir todos os atuais portadores de energia líquida com origem fóssil.