VIAGEM PELA Química

Raios: a espetacular beleza da química

Raios durante uma trovoada: um espetáculo natural imponente que tem na sua origem uma simples interação química. E, apesar dos mitos, há efeitos benéficos. Por exemplo, na limpeza da poluição atmosférica.

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Os raios modificam a química da atmosfera

É possível explicar de forma simples muitos dos fenómenos da natureza. E até podemos saber, porque é de conhecimento mais ou menos comum, que um acontecimento tão poderoso como uma trovoada resulta do atrito das massas de ar ao nível das nuvens. Mas vamos ao detalhe, porque vale a pena: geralmente, a trovoada resulta da colisão entre cristais de gelo e granizo, que provoca descargas elétricas. O clarão é um fluxo elétrico, enquanto a onda sonora é provocada pelo aquecimento violento do ar, produzindo temperaturas cinco vezes mais elevadas do que a superfície do sol. O rápido aumento da temperatura provoca uma abrupta expansão do ar que, como consequência, produz ondas sonoras conhecidas como trovões. Perante a bela dança dos relâmpagos e o seu estrondo, o espetáculo ou nos deixa fascinados ou assustados.

E vamos entrar na química da trovoada…

Já era conhecido que os raios provocam alterações na atmosfera, como a diminuição da concentração de ozono, o gás que atua como um escudo natural à radiação ultravioleta do Sol. Porém, em 2021, os cientistas da Universidade da Pensilvânia descobriram também que, afinal, os raios podem ajudar a eliminar a poluição atmosférica. Isto porque produzem substâncias, como os radicais hidroxila (OH), que decompõem o metano, um dos gases responsáveis pela aceleração do efeito de estufa. De acordo com as experiências realizadas, entre 2% e 16% da capacidade de limpeza que ocorre naturalmente em torno do planeta é gerada pelos raios.

Outras investigações a decorrer sugerem que a atividade elétrica dos raios pode ainda provocar a aceleração da formação de gotas de chuva e o aumento da precipitação, e que estes têm a aptidão de formar aminoácidos que terão sido essenciais para o início da vida na Terra.

Os efeitos dos raios também descem à terra

Os raios também podem desempenhar um efeito benéfico na qualidade dos solos. Quando entram em contacto direto com o chão, a uma velocidade que pode chegar aos 400 mil quilómetros por hora, a corrente elétrica – que atinge mais de 200 mil Amperes – aquece os materiais, produzindo estranhas formas de vidro a que se chama fulguritos.

Se o raio atingir areia dá origem a fulguritos constituídos pelo composto químico sílica e com um formato de tubo. Estes apresentam poucos centímetros de diâmetro (os raios têm dois a três centímetros de largura), mas um longo comprimento: o maior já encontrado tinha 8 metros. Ao caírem sobre rocha, os raios criam fulguritos à superfície, que se assemelham a uma casca fina.

Quando chegam ao solo, os raios podem ainda provocar incêndios, o que se estima que aconteça 100 mil vezes por ano a nível mundial. No entanto, também aqui existe um lado positivo: quando não existem danos materiais nem humanos, nem são destruídos ecossistemas importantes, estes incêndios são benéficos na medida em que podem contribuir para a reciclagem dos nutrientes do solo, através dos NOx formados na atmosfera e levados até ao chão pelas chuvas, o que favorece várias espécies de fauna e flora.

O Grupo de Eletricidade Atmosférica, entidade brasileira que é uma referência mundial na pesquisa sobre eletricidade atmosférica, reporta que a quantidade de compostos de nitrogénio depositados no solo através da ação dos raios varia entre 1% e 20% do total, o que é significativo em termos de fertilidade.

Entre o mito e a realidade

Sem uma explicação plausível, os raios eram geralmente interpretados pelas civilizações antigas como manifestações divinas. Os gregos consideravam-nos lanças produzidas pelos Ciclopes para Zeus poder castigar a humanidade pelas seus falhas. Os generais romanos usavam loureiro na cabeça como amuleto contra os raios. E, na Europa medieval, acreditava-se que o badalar dos sinos da igreja funcionava como proteção contra os raios. Claro que uma torre alta com um sino metálico era, na realidade, um péssimo lugar para se estar durante as tempestades… Em França, depois de terem morrido 103 sineiros ao longo de três décadas, fulminados por raios, o costume foi banido em 1786.

Os grandes “ímanes” para os raios são a altura do objeto, o formato pontiagudo e a localização isolada. Como é o caso de uma árvore. Por isso, um mito a evitar é procurar abrigo sob o arvoredo em caso de trovoada. Estar no exterior representa, em geral, uma má opção, uma vez que o próprio solo conduz a corrente do raio. As melhores apostas para desfrutar deste fenómeno da natureza em segurança são ficar dentro de casa ou dentro de um automóvel com tejadilho, evitar água e aparelhos ligados à eletricidade.

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