Fogo de artifício: química e arte na tela dos céus
Enche os céus de brilho e de cor, move multidões, encanta pela arbitrariedade das formas e geometrias. Mas além do espetáculo que proporciona, o fogo de artifício é também uma combinação singular de arte e ciência, pela quantidade de elementos que contém, os efeitos gerados por cada um e as suas complexas interações.
Da Madeira em Portugal ou a Sidney na Austrália, do Ano Novo chinês ao 4 de julho nos Estados Unidos, são muitos os locais e momentos emblemáticos do mundo que todos os finais de ano recebem milhões de turistas para observar aquilo que se designa tecnicamente por pirotecnia, uma expressão que tem origem nas palavras gregas “pur” (que significa fogo) e “tekné (técnica).
A matéria de base do fogo de artificio é a pólvora, um produto que a maior parte dos investigadores apontam para que tenha sido descoberto acidentalmente por alquimistas chineses, durante a dinastia Tang, no séc. IX. O papel central que acabou por ter em meios e ações militares ao longo dos séculos, com a sua utilização em munições, foguetes, canhões ou mísseis, fez com que a pólvora fosse considerada uma das mais relevantes invenções de todos os tempos.
Embora haja relatos de utilização da pólvora para fogo de artifício na sua época primordial, de um modo rudimentar, os efeitos coloridos e brilhantes que conhecemos hoje apenas foram possíveis com o nascimento da Química como ciência. O seu desenvolvimento está relacionado com grandes nomes como o de Antoine de Lavoisier, considerado o pai da Química, que foi responsável por revolucionar a produção da pólvora, durante a Revolução Francesa. Os seus estudos sobre as combustões acenderam o rastilho para que outros químicos se centrassem na procura por elementos ricos em oxigénio, capazes de produzir explosões mais violentas e atingir temperaturas mais elevadas.
Tecnicamente, a pólvora pode ser definida como um material energético que tem como função imprimir movimento a um objeto. Na sua composição básica é uma conjugação de nitrato de potássio (ou salitre), enxofre e carvão. O nitrato de potássio, presente em cerca de 75% da sua composição, tem a função mais importante - enquanto agente oxidante, fornece o oxigénio para que se inicie a combustão do carvão e do enxofre. O carvão representa cerca de 15 % da mistura e é o principal material combustível, cabendo ao enxofre, que representa cerca de 10%, atuar como catalisador da combustão.
Para que se produza o efeito desejado falta um elemento final, que é a ignição, através de uma faísca. Isto vai fazer com que o enxofre derreta – logo que atinja o seu ponto de fusão, que ocorre a 112,8 ºC - escorrendo sobre o nitrato de potássio e o carvão, que queimam em seguida. Esta reação vai produzir rapidamente uma grande quantidade de energia e de gás, acabando por provocar uma explosão. E quando há um pequeno furo para o gás escapar, a reação lança o fogo de artifício para o ar.
Conchas e estrelas
Tal como hoje o observamos, o fogo de artifício é feito a partir de uma “concha”, um invólucro com a forma de tubo. Aqui é colocada pólvora, e um conjunto de pequenos globos de material explosivo, designados “estrelas”. Cada uma destas “estrelas” contém quatro ingredientes químicos: um material combustível, um agente oxidante, um composto metálico responsável pela cor e um aglutinante para manter estes componentes unidos. Finalmente, é colocado o elemento de ignição.
É nas “estrelas” que está concentrada toda a imaginação possível para criar os mais variados efeitos visuais. Estes efeitos decorrem não só da composição destes pequenos globos, mas também do modo como são dispostos dentro da concha, o que vai determinar o percurso e as formas com que o fogo de artificio se vai apresentar no céu.
Um espetáculo de cor
Embora os princípios sejam os mesmos com que operavam os fogueteiros tradicionais desde há uns séculos atrás, o desenvolvimento da química e do conhecimento científico abriram um novo mundo de possibilidades, aumentando o brilho e o número de cores disponíveis para tornar os efeitos cada vez mais espetaculares.
As cores do fogo de artifício são obtidas através do processo designado por luminescência. Quando ocorre a explosão nos céus, a energia libertada é absorvida pelos átomos dos metais presentes na composição das “estrelas”, o que faz com que os seus eletrões passem do estado fundamental para níveis excitados. O regresso destes ao seu estado fundamental acontece quando se dá a libertação da energia, sob a forma de radiação visível, isto é, luz colorida.
Será então fácil perceber que as cores emitidas decorrem essencialmente dos metais utilizados, e é aqui que entra novamente a magia da química. O vermelho é normalmente obtido com sais de estrôncio ou de lítio; o laranja é característico de sais de cálcio, como o cloreto de cálcio; o amarelo é facilmente alcançado com sais de sódio, sendo vulgarmente utilizado o cloreto de sódio; e o verde é conseguido com cloreto de bário. Já o azul, obtido com cloreto de cobre, é a cor mais difícil de reproduzir, devido à instabilidade dos compostos de cobre, e é também a que lança maiores desafios: se for muito escuro, torna-se difícil de ver num céu noturno; se for demasiado claro, vai parecer branco.
Para que esta preparação artesanal que envolve química, arte e muito rigor surta o efeito desejado, é preciso garantir a estabilidade dos compostos, controlar rigorosamente a temperatura de explosão e impedir a contaminação entre cores, o que faz da pirotecnia uma ciência química exigente. Em especial, é fundamental evitar a contaminação com sódio, já que o brilho intenso da emissão deste elemento facilmente pode “amarelar” todo o fogo de artifício.
Maior ou menor brilho, flashes e variações na intensidade da luz são outros dos efeitos pirotécnicos geralmente encontrados, recorrendo-se ainda a outros metais para gerar diferentes resultados: o alumínio, magnésio e titânio produzem faíscas brancas, e se for adicionado ferro obtêm-se faíscas douradas.
Mais ecológico e tecnológico
Tal como ocorre em muitas outras atividades, também a indústria de fogo de artificio – que movimenta globalmente cerca de 2,6 mil milhões de euros anuais - tem vindo a desenvolver métodos menos poluentes, como por exemplo o lançamento com recurso a gás comprimido, em substituição da pólvora, evitando a emissão de gases como o azoto, carbono e óxidos de enxofre. A química tem encontrado ainda outras soluções, como os compostos pirotécnicos ricos em nitrogénio, cuja libertação de energia não gera reações de oxidação do carbono, como ocorre nas misturas tradicionais.
As características de alguns dos produtos que são utilizados têm também obrigado a um crescente foco na componente da segurança. Além da vasta regulamentação que tem sido introduzida ao longo dos anos, são atualmente utilizados métodos muito mais seguros de operação dos fogos de artificio, nomeadamente sistemas computorizados de acionamento remoto.