VIAGEM PELA Química

Eletrólise: dos bancos de escola para um futuro sustentável

“Eletrólise”. Poucos saberão o que significa, mas todos beneficiam dela. Seja ao beber água da torneira, seja a tomar banho numa piscina. E muitos mais irão ganhar com esta tecnologia, que induz descarbonização e sustentabilidade. Descoberta há dois séculos, a eletrólise nunca teve tanto futuro como agora.

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O Processo

A simplicidade com que se replica o fenómeno da eletrólise, mesmo na sua forma mais básica, é porventura proporcional à importância que detém na sociedade atual. Resumidamente, a eletrólise consiste na transformação de energia elétrica em energia química, justamente o oposto do que ocorre numa vulgar pilha de um comando de televisão.

Definida etimologicamente como a “decomposição pela eletricidade”, a eletrólise pode tomar várias formas, mas existe sempre um denominador-comum: para que ocorra, é necessário fornecer artificialmente ao processo corrente elétrica contínua – trata-se, portanto, de uma reação provocada, não espontânea.

Este fluxo de energia percorre os elétrodos de uma célula eletrolítica forçando os eletrões a participar em reações provocadas de oxidação num dos elétrodos (o ânodo) e de redução no outro elétrodo (o cátodo). É através desta descarga elétrica aplicada que é possível decompor moléculas e obter os produtos pretendidos.

A eletrólise divide-se em dois tipos essenciais: a eletrólise ígnea, em que a substância líquida está fundida, sem a presença de água, e a eletrólise em meio aquoso, na qual uma substância é dissolvida em água, formando uma solução eletrolítica.

Em meio aquoso, se realizarmos a eletrólise da água conseguimos separar o oxigénio do hidrogénio. Mas se adicionarmos sal (cloreto de sódio) à água, tendo como resultado uma salmoura, então já será possível obter cloro, esse elemento essencial em muitas atividades, ou até mesmo para garantir uma necessidade básica, que é a água potável.

Mas não só: a partir deste processo, designado de cloro-álcalis, é possível também obter hidróxido de sódio (vulgarmente conhecido por soda cáustica), hipoclorito de sódio (um poderoso desinfetante conhecido como lixívia), ácido clorídrico (com o nome comercial de ácido muriático), bem como hidrogénio, que muitos consideram ser a energia do futuro. Trata-se, em suma, de um conjunto de derivados com extensa aplicação em contextos domésticos e industriais.

Evolução

O processo de eletrólise em contexto industrial conheceu uma evolução notável nas últimas décadas.

O marco mais relevante foi a transição da utilização do mercúrio, a que se recorreu desde há mais de cem anos, para a incorporação a partir da década de 70 do século passado das tecnologias de diafragma e, mais tarde, desde os finais dos anos 80, dos sistemas de membrana.

A utilização do mercúrio acarretava diversos riscos ambientais e de segurança, pelo que a indústria, paulatinamente e não obstante os elevados custos de modernização, foi adequando o seu processo produtivo a novos sistemas de eletrólise. Em 2013, viria a entrar em vigor a Diretiva de Emissões Industriais, levando a que a partir de finais de 2017 fosse abandonado em definitivo o método de mercúrio na produção de cloro-álcalis na União Europeia.

O sistema de eletrólise por membrana é composto por um recipiente (um eletrolisador) separado no seu interior por uma membrana ou tela perfurada. Num dos compartimentos, ocorrem as reações catódicas (polo negativo) e, no outro, as reações anódicas (polo positivo). A membrana serve para separar os iões e evitar reações secundárias com produtos indesejáveis.

Além de extinguir o risco de impacte ambiental do mercúrio, a tecnologia de membrana não é tão exigente em termos de manutenção e requer menor consumo de energia. A Bondalti foi dos primeiros produtores a implementar a eletrólise com célula de membrana.

História

A história da eletrólise tem início em 1800. Na mesma época em que Allesandro Volta (1745-1827) criou a pilha elétrica, outros cientistas procuraram perceber quais seriam os efeitos da colocação de dois fios condutores ligados a essa mesma pilha num recipiente com água. O resultado foi imediatamente evidente: eram libertadas bolhas gasosas nas superfícies dos fios condutores (hidrogénio e oxigénio).

Após várias experiências realizadas por outros renomados cientistas de então, foi Michael Faraday (1791-1867), físico e químico britânico, visto como um dos mais influentes cientistas de todos os tempos e considerado o precursor da eletroquímica, que assumiu em definitivo a paternidade da descoberta.

De facto, estabelecidas em 1834, as famosas (duas) Leis de Faraday vieram sintetizar um longo processo de experimentação e descoberta. A primeira diz-nos que "a massa de um elemento, depositada durante o processo de eletrólise, é diretamente proporcional à quantidade de eletricidade que atravessa a célula eletrolítica"; enquanto a segunda indica que "as massas de vários elementos, quando depositadas durante a eletrólise pela mesma quantidade de eletricidade, são diretamente proporcionais aos respetivos equivalentes químicos".

Faraday foi ainda o responsável pela criação do léxico do processo e de termos como “eletrólito”, “ânodo”, “cátodo”, “elétrodo” e “ião”, consolidando a informação até então obtida e estabelecendo um ponto de partida para uma tecnologia hoje largamente utilizada e imprescindível no mundo atual.

Futuro

O hidrogénio pode vir a ser, futuramente, um elemento fundamental na sustentabilidade do planeta. Captado sem recurso a combustíveis fósseis e decorrente emissão de dióxido de carbono na atmosfera, pode ser a base de uma economia descarbonizada, a pedra de toque da urgente transição climática.

O facto de ser o elemento mais abundante do universo poderia fazer prever facilidade na sua obtenção, mas, paradoxalmente, e à luz da ciência atual, verifica-se o oposto.

Embora existam outra formas de o fazer, que não são viáveis quer económica quer ambientalmente, a forma mais adequada de captação de hidrogénio é através da eletrólise. Sabendo-se que este processo implica necessariamente uma fonte de energia, torna-se evidente que a única forma de obter este elemento de forma sustentável, ou seja, do designado hidrogénio verde, é recorrendo a fontes de energia renováveis.

Enquanto maior empresa portuguesa na área dos químicos industriais, a Bondalti é hoje um importante player na cadeia de valor do hidrogénio e assume a incorporação deste elemento como um pilar estratégico de futuro.

O projeto da Bondalti para a produção de hidrogénio no Complexo Químico de Estarreja obteve recentemente o estatuto de “Projeto Importante de Interesse Europeu Comum” (em inglês, IPCEI) atribuído pela Comissão Europeia.

Denominado H2Enable, e também integrado nas agendas mobilizadoras do PRR (Programa de Recuperação e Resiliência) com um investimento estimado de 142 milhões de euros até 2026, o projeto liderado pela Bondalti, e incluindo outros parceiros, como a Air Liquide, Faculdade de Engenharia do Porto, APQuímica e HyLab, consiste na construção de uma infraestrutura para a produção de hidrogénio verde no Complexo Químico de Estarreja.

O H2Enable alinha com as metas europeias de descarbonização e reindustrialização, assentando em tecnologias avançadas, inteligentes e eficientes, no baixo impacto ambiental, na orientação para produtos mais qualificados e de maior valor acrescentado, assim como nos princípios de circularidade.

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