VIAGEM PELA Química

A sustentável leveza do lítio

O lítio é um metal muito leve, cuja elevada capacidade de armazenamento de energia lhe atribuiu o cognome de “petróleo branco”. Essencial para a produção de baterias elétricas, este material assume um importante papel na transição energética global.

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O elemento químico número 3

Com uma cor branca prateada, o lítio é o menos denso de todos os metais. O terceiro elemento da tabela periódica, com o símbolo químico Li, é tão leve que flutua na água e tão macio que pode ser cortado com uma faca. Mas a característica que o torna atualmente tão procurado e estratégico é a sua extraordinária capacidade de armazenamento de energia, uma vez que, em comparação com outros materiais, permite a acumulação de elevadas densidades de carga num espaço relativamente pequeno.

Um atributo que lhe valeu o apelido de “petróleo branco”, já que carrega consigo a promessa de liderar a urgente transição de um modelo energético baseado em combustíveis de base fóssil, para outro dominado por energias sustentáveis. Atualmente, este é o elemento essencial para a produção de baterias dos automóveis elétricos.

John B. Goodenough, Akira Yoshino e M. Stanley Whittingham, vencedores do Prémio Nobel da Química 2019

Uma história de alternativa ao petróleo

Na natureza, o lítio – algum formado durante o Big Bang, há 13,8 mil milhões de anos – só existe sob a forma de mineral ou como um sal estável e não na sua forma pura, por ser quimicamente muito reativo.

A sua descoberta deve-se ao cientista brasileiro Jozé Bonifácio de Andrada e Silva, quem, na ilha sueca de Utö, na década de 1790, identificou minerais a que deu o nome de petalita e espoduménio. Mas só em 1817 é que o químico sueco Johan August Arfwedson isolou um material que considerou desconhecido e lhe chamou lítio.

As suas aplicações começaram por ser medicinais e, quando um conhecido refrigerante da atualidade foi lançado, em 1929, então com o nome de Bib-Label Lithiated Lemon-Lime Soda, continha citrato de lítio para, alegava o seu criador, melhorar o humor de quem o bebesse. A receita foi alterada em 1948, quando o lítio foi retirado das bebidas nos Estados Unidos. Um ano depois esta propriedade foi utilizada no tratamento de transtornos depressivos e bipolares, estando ainda hoje presente em medicamentos para este fim.

Por esta altura também já tinham sido inventados lubrificantes à base de lítio, usados em motores de avião, e utilizações industriais posteriores estenderam-se à produção de cerâmica e de vidro. A procura por este material aumentou ainda mais quando, com a Guerra Fria, começou a ser usado para a produção de armamento nuclear.

Foi durante a crise do petróleo dos anos 1970 que o lítio entrou na era moderna: o químico britânico Stanley Whittingham desenvolveu uma instável bateria de lítio e titânio. Na década seguinte, o cientista americano John B. Goodenough criou uma de lítio e cobalto e, em 1985, surgiu a terceira grande inovação. Akira Yoshino foi o pai da primeira bateria recarregável de iões de lítio (BIL) comercializável, que a japonesa Sony lançou em 1991.

A importância desta tecnologia para o desenvolvimento da humanidade foi reconhecida quando, em 2019, estes três cientistas receberam o Prémio Nobel da Química pelo seu contributo para desenvolvimento das BIL que nos permitem agora carregar todo o tipo de aparelhos portáteis, bem como carros elétricos, e criar soluções de armazenamento para as redes de energias renováveis.



O elemento preferencial das baterias

Graças ao potencial eletroquímico do lítio, as BIL são bastante eficientes em termos de armazenagem energética, de velocidade de carregamento, de leveza, de dimensão e de longevidade. Conseguem armazenar 150 w/h por quilo de bateria e podem ser fabricadas em diferentes associações de células e formatos.

A sua utilização no setor dos transportes tem permitido a eletrificação de frotas anteriormente alimentadas a combustíveis fósseis, reduzindo a sua pegada carbónica. E os veículos elétricos possuem ainda outra vantagem ambiental e de economia circular em relação aos tradicionais a gasolina e gasóleo: os elementos das baterias podem ser reciclados.

Graças à aposta neste tipo de veículos, a Agência Internacional de Energia estima que, para satisfazer as necessidades da mobilidade elétrica, a produção de lítio terá de aumentar 40 vezes até 2040.


A refinação mais sustentável

Face às metas de descarbonização, segundo um relatório de 2021 do Parlamento Europeu, vai ser necessário o acesso a 18 vezes mais lítio em 2030, e 60 vezes mais em 2050, para a Europa dar resposta à procura de veículos elétricos.

Apesar dos benefícios do lítio, no futuro o desafio para a indústria prende-se com a redução dos impactos gerados pela sua extração e refinação. Portugal é, atualmente, o maior produtor europeu, e foi o oitavo a nível global, em 2023, com 380 toneladas, enquanto a Austrália, o maior player mundial, extraiu 86 mil.

Mas Portugal não tem apenas depósitos. Tem também um projeto de refinação de lítio verde, através da Lifthium, empresa totalmente detida pelo Grupo José de Mello e pela Bondalti. A Lifthium pretende tornar-se uma referência mundial em refinação sustentável, produzindo hidróxido de lítio suficiente para um milhão de baterias/ano para veículos eléctricos. No curto/médio prazo, a empresa tenciona ter uma fábrica em funcionamento na Península Ibérica.

As tecnologias inovadoras de produção – incluindo a adoção de eletrólise, assente em energias renováveis – permitirão uma redução estimada em mais de 50% das emissões de carbono associadas à refinação do lítio, por comparação com os padrões atuais da indústria.

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